[ÁUDIO] Impactos das apostas esportivas no brasil: saúde mental e financeira (Escuta Aqui | 07/10/2024)
- Andrei Nardi
- 8 de out. de 2024
- 5 min de leitura
Com a regulamentação das apostas esportivas no Brasil, aumentam as preocupações sobre os impactos na saúde mental e financeira
O crescimento das apostas esportivas no Brasil, devido à regulamentação, está gerando preocupações sobre seus impactos negativos na saúde mental da população. O fácil acesso às plataformas de apostas, o constante bombardeio de propagandas e a ilusão de ganhos rápidos têm levado muitas pessoas, especialmente jovens, a desenvolver um padrão de comportamento de dependência com os jogos de azar.
A psicóloga Jordana Calcing, durante o programa 'Escuta Aqui' da Rádio Sideral, que foi ao ar na segunda-feira, dia 7 de outubro, apresentou dados preocupantes que mostram a extensão desse problema no país. Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha de 2023, 15% dos brasileiros já realizaram algum tipo de aposta online, com uma concentração maior entre jovens de 16 a 24 anos. Esse grupo, formado principalmente por uma população vulnerável em fase de formação de identidade e busca por independência financeira, parece ser o mais suscetível aos atrativos das apostas virtuais.
Dopamina e o Ciclo de Dependência
Um dos fatores que tornam as apostas tão viciantes está relacionado ao sistema de recompensas do cérebro. Calcing explicou que, ao apostar com expectativa de vitória, o corpo libera dopamina. Esse neurotransmissor é responsável pela sensação de prazer. "O mesmo circuito cerebral que é ativado quando uma pessoa consome drogas também é ativado quando ela se envolve em jogos de azar", destacou a psicóloga.
Esse ciclo de liberação de dopamina cria um comportamento viciante, em que o indivíduo sente a necessidade de apostar cada vez mais para manter a sensação de prazer. Assim como ocorre com dependências químicas, o corpo começa a demandar doses maiores para atingir o mesmo nível de satisfação. Essa busca incessante pode levar a uma espiral de perdas financeiras e prejuízos emocionais.
Impactos Financeiros e Sociais
Os prejuízos das apostas não se limitam apenas ao campo psicológico. Dados levantados por Calcing, como entrevistas e levantamentos financeiros, indicam que o vício compromete severamente a estabilidade financeira de muitos apostadores. Um estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo revela que 63% dos apostadores têm parte significativa da renda comprometida com as apostas. Além disso, 19% dos jogadores relataram que, devido às perdas financeiras, deixaram de fazer compras básicas no supermercado, e 11% afirmaram ter deixado de gastar com saúde e medicamentos.
Esse cenário já está gerando repercussões econômicas mais amplas. "Apostadores endividados comprometem não apenas suas finanças pessoais, mas também a segurança financeira de familiares e amigos que, muitas vezes, são chamados a socorrê-los", alertou Calcing. Em um caso citado durante o programa, uma mulher chegou a perder R$ 300 mil, toda a herança deixada para ela, além de pedir dinheiro emprestado a familiares para continuar apostando.
Regulamentação das Apostas: Solução ou Incentivo?
Em 2023, o governo brasileiro aprovou uma lei que regulamenta o mercado de apostas esportivas online. Se, por um lado, a medida traz benefícios como a arrecadação de impostos e a criação de um ambiente mais seguro para as transações, por outro, especialistas da área de saúde mental veem com preocupação a possível normalização das apostas.
Calcing levantou um ponto crucial: a regulamentação pode dar a falsa impressão de que as apostas são inofensivas. "Assim como o cigarro é uma droga lícita, as apostas, ao serem regulamentadas, podem ser vistas pela população como algo que não faz tanto mal, quando na verdade trazem prejuízos sérios à saúde mental", afirmou. Essa normalização é um perigo silencioso, especialmente para os jovens que, com o fácil acesso por meio de dispositivos móveis, tornam-se alvos fáceis desse vício.
A Facilidade do Vício no Ambiente Digital
Com a expansão do uso de smartphones e a digitalização dos serviços, o acesso às apostas esportivas tornou-se extremamente conveniente. Diferente do passado, em que era necessário ir até um cassino ou bar para participar de jogos de azar, hoje basta ter um celular e acesso à internet para se envolver em apostas esportivas. O processo de pagamento também foi simplificado, com a maioria das transações sendo feitas digitalmente. Isso elimina a percepção de gasto imediato que ocorria quando o apostador utilizava dinheiro físico.
"Quando usamos dinheiro digital ou cartão de crédito, a sensação de perda é menor, o que facilita o extrapolar dos limites financeiros", explicou a psicóloga. O fato de o dinheiro ser "invisível" em transações online cria uma falsa segurança, levando muitos a se endividarem rapidamente. Relatos mencionados por Calcing indicam que há apostadores que chegam a comprometer três meses de salário em jogos, acumulando dívidas no cartão de crédito que só percebem ao receber a fatura.
Além disso, o ambiente digital em que esses jogos ocorrem é cuidadosamente projetado para atrair e manter o usuário envolvido. As cores vibrantes, as animações chamativas e até as músicas aceleradas presentes nos aplicativos e sites de apostas têm um apelo semelhante ao dos videogames, o que, segundo Calcing, atrai especialmente o público jovem. "Esses elementos criam uma experiência imersiva e estimulante que seduz o jogador, muitas vezes sem que ele perceba o quanto está sendo manipulado para continuar jogando", afirmou.
Consequências na Saúde Mental
O vício em apostas esportivas já é considerado uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sob a Classificação Internacional de Doenças (CID), com o nome de ludopatia ou jogo patológico. Esse reconhecimento reforça o caráter sério da dependência em jogos de azar, que pode levar a quadros graves de depressão, ansiedade e isolamento social.
"É comum que pessoas dependentes de jogos relatem um agravamento dos sintomas de ansiedade", destacou Calcing. De fato, 51% dos brasileiros que apostam afirmaram sentir um aumento da ansiedade, segundo o Instituto Locomotiva. Além disso, 42% dos apostadores usam o jogo como uma fuga das dificuldades do dia a dia, o que apenas aprofunda a dependência. Para muitos, o ato de jogar se torna uma maneira de lidar com problemas emocionais, mas acaba criando um ciclo vicioso que agrava a situação mental e financeira.
Educação Financeira e Suporte Especializado: Caminhos para Enfrentar o Vício
Uma das soluções apontadas por especialistas é o fortalecimento da educação financeira desde a infância, como por exemplo a inclusão de aulas sobre orçamento pessoal e poupança nas escolas. Ao ensinar desde cedo como lidar com o dinheiro e a importância de uma gestão responsável, é possível preparar as novas gerações para enfrentar os desafios do consumo consciente, incluindo as armadilhas das apostas.
Além disso, o tratamento da ludopatia envolve um acompanhamento psicológico especializado e, em alguns casos, o uso de medicamentos para controlar a ansiedade e os sintomas de abstinência, que podem surgir quando o indivíduo tenta parar de jogar. "O primeiro passo é reconhecer o problema e buscar ajuda, tanto de um profissional de saúde mental quanto de um conselheiro financeiro, que pode ajudar a pessoa a reorganizar sua vida financeira", afirmou Calcing.
A psicóloga também chamou a atenção para o papel das famílias e amigos. "Frequentemente, é mais fácil para quem está de fora perceber os sinais de dependência do que para o próprio apostador. Escutar as preocupações dos outros e refletir sobre a frequência e os impactos do jogo na sua vida é essencial para evitar que a diversão se transforme em um problema grave."
Um Problema que Exige Atenção Constante
Com o avanço da regulamentação das apostas no Brasil, o desafio agora é garantir que a saúde mental da população não seja negligenciada em meio ao crescimento desse mercado. É necessário que as autoridades públicas e os profissionais de saúde mental se atentem ao risco da dependência em jogos de azar e adotem medidas preventivas e de tratamento eficazes. Afinal, o vício em apostas não afeta apenas o jogador, mas também sua rede de apoio familiar e social, criando um problema de saúde pública que pode se estender por gerações.
Ouça a entrevista:
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